quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Que dia tão rico

Este foi um dia cheio de surpresas.
Em jeito de começo, o cinzento dos dias foi deixado para trás e hoje, finalmente, esteve sol à séria.
E parece que, com ele, tudo se exibiu em esplendor e fez sobressair o seu melhor.
Durante este meu dia de trabalho fui ter a uma casa, como já fui tantas vezes. Fica num beco. É velhota. Tem um quintal ao lado com algumas sementeiras e ao fundo, um monte de tralha. Quem a habita é um casal também velhote. Geralmente é ele que me atende, porque anda sempre cá por fora no quintal. Curvo, com roupas velhas, ninguém dá nada por ele. Hoje não estava cá fora e tive de entrar quintal adentro e bater no vidro da janela para me fazer ouvida. A porta estava aberta e a luz do sol inundava o interior. Fiquei extasiada. Lá dentro, em cima do sofá e pelas paredes, uma colecção enorme de quadros, emoldurados ricamente. Representavam paisagens, na sua maioria de Torres Novas e algumas praias. E na entrada estava aquilo que, durante a quadra do Natal foi a aldeia do presépio, toda em cortiça. Naquele velhote, estava o poder de dar vida a materiais e telas de uma forma tão amorosa e impressionante. Fiquei tão comovida. Foi a mulher que me disse que era tudo obra dele e ele, que tinha vindo à porta, escondeu-se. Talvez por humildade, talvez por timidez, ou até mesmo por antipatia, sei lá. Mas sem dúvida, um coração a descobrir.
Da parte da tarde, passei numa rua onde, desde sempre, vi um senhor, também velhote, a cuidar de um quintal enorme, cercado por muros e rodeado de casas. Uma espécie de oásis no meio do deserto. "Sabe, isto não é meu. Mas moro aqui perto e os donos, que moram longe, deram-me esta terra toda para cuidar." E a verdade é que o quintal estava sempre repolhudo, uma beleza. Isto já foi há uns anitos e ultimamente não tenho visto o senhor e o quintal parece até um pouco abandonado. E pensei: se calhar o senhor está doente ou então já morreu. É que já morreu tanta gente durante estes anos neste serviço, algumas que me deixam saudade e a pensar na vida. Mas é assim mesmo e não podemos fazer nada... E qual não foi a minha surpresa quando, hoje, vi o senhor! Lá estava ele, agarrado à bengala que nunca lhe vi mas ainda assim, com a enxada na outra mão a cavar a terra. Fantástico! Fiquei tão feliz.
E para finalizar, quando fui buscar a minha riqueza, já quase escuro, todas as cabeças olhavam para o ar. É que, lá no alto do telhado, numa antena de televisão, estava um pássaro numa melodia única. Há tanto tempo que não ouvia um cantar tão bonito. Não reconheci a espécie uma vez que estava a escurecer e se só se lhe via a silhueta. Nada o demovia. Nem o barulho dos carros, nem o barulho das crianças a sair da escola, nada. E encantava todos com o seu canto. Impossível passar despercebido, aquele consolador de almas.
Que dia!
Há por aí tanta gente com dons incríveis e que ninguém conhece. Antes, pensava que era um desperdício esconder tamanhas vocações da Humanidade, que certamente ficaria mais rica se as conhecesse. Hoje, penso um bocadinho diferente. A maioria das vezes, a nossa Humanidade são os que estão à nossa volta, bem próximos de nós. No anonimato, certamente que, com os dons que Deus nos deu, sejam eles quais forem, enriquecemos e mudamos vidas à nossa maneira, sem que nos apercebamos. E somos felizes assim. Por vezes, não é por fazer toda uma Humanidade feliz que se é importante ou reconhecido. Basta tocar um coração para se mudar uma vida. E basta este pouco para se ter o maior galardão de todos: o do amor.

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